Madri
Cheguei ao Aeroporto Madri-Barajas às 11h, e tive que esperar minha conexão para Pamplona até as 14h30.
O Aeroporto de Madri é FARAÔNICO. Um espaço absurdo. Arquitetura fantástica. Um gigantesco galpão de embarque, com pelo menos 1 km, e outro igual, para desembarque. Esses dois galpões são interligados por uma linha de metrô, que passa por baixo das pistas. Existem esteiras rolantes que ajudam você a atravessar de uma ponta a outra, mas normalmente onde você quer descer está no meio da esteira, então toca ir até o final e voltar a pé, hehehe. Ainda não acredito que estou aqui. Aqui é lindo, mas é muito frio. Não vejo a hora de chegar em Pamplona e ver minha mochila…
Primeira providência: fumar um cigarro. Não sei o que é isso umas longas 13 horas. Tá certo, não sou um fumante tão viciado assim, mas ele ainda é a minha única companhia neste local desolado. Vou ao balcão de informações perguntar aonde encontro um fumódromo, e a moça me olha como seu eu fosse um inseto, me indicando uma direção. O fumódromo parece uma prisão de vidro sem teto, de uns dois metros quadrados, com tubos que sugam a fumaça. Degradante. As pessoas que estão lá dentro parecem que fazem algo errado, criminoso. Os não-fumantes que passam ao lado, com certa distância, repetem a cara de nojo da moça do balcão de informações. Nunca me senti tão mal. O chão dali era o único pedaço sujo de todo o aeroporto. Aproveitei e fumei dois na sequência, pois não sabia se teria coragem de aparecer por lá de novo.
Depois de muita espera, finalmente o avião: a hélice. Fazia tempo que não via (ou voava em) um desses. Mais terras d’Espanha vistas do alto, mais pensamentos imaginando aquelas terras sendo caminhadas, mais ansiedade.
Pamplona
Ao chegar em Pamplona, tive aquela sensação de mudança repentina de aeroporto internacional para aeroporto local. O de Pamplona me lembrou uma rodoviária de interior. Adorei! Aquela apreensão de sempre ao aguardar sua bagagem aparecer e lá estava eu fora do aeroporto para minha primeira missão: pegar um táxi para Saint Jean Pied de Port.
Encontrei um velhinho com cara simpática e sua mochila que estava na cara que ia fazer a mesma coisa que eu. Ele estava lá em Madri, num guichê de informações turísticas, e eu sabia que iríamos nos encontrar aqui. Começamos a falar em um mal inglês, daí preferimos cada um se entender em sua língua. Giuliano era italiano, e estava guardando a mochila de uma outra futura peregrina, que estava no banheiro. Eu disse tinha o telefone de um taxista que peguei não lembro se num dos livros que li ou na Associação dos Amigos do Caminho, em São Paulo. Seu nome era Hector. Disse que seria interessante dividirmos o táxi até Saint Jean, pois pagar 80 euros logo de cara, assim, sozinho, seria meio pesado. Chegou a austríaca Gerti (lê-se Guêrti) do banheiro e adorou a ideia. Liguei para o Hector e ele me indicou o Rafael, pois ele estava com um passageiro em outra cidade. Em nem 15 minutos, Rafael apareceu e começamos a viagem, tentando nos comunicar com uma salada hispano-ítalo-anglo-germano-portuguesa.
Roncesvalles
Paramos para deixar Giuliano. Ele começaria o caminho dali. Disse que era muito velho para atravessar os Pirineus. Nos despedimos com curiosa tristeza, pois senti que nunca mais o veria pelo Caminho. Rafael disse que eu era louco de estar com aquele peso na mochila, que eu não aguentaria nem 2 km nos Pirineus. Sugeriu que eu largasse os supérfluos no albergue, antes de iniciar a viagem. Evitei pensar no assunto por hora, me distraindo com a paisagem.
Saint Jean Pied de Port
Rafael nos levou até a Associação dos Amigos do Caminho de Santiago de SJPP para Gerti pegar sua credencial de peregrina. A minha eu peguei na Associação de São Paulo. A Credencial do Peregrino funciona como um salvo-conduto que nos permite dormir nos albergues destinados aos peregrinos, usufruir de um cardápio diferenciado nos restaurantes, o menu do peregrino, além de seus carimbos nas paradas garantir a Compostelana, um tipo de diploma por termos atravessado quilômetros a pé, bicicleta ou cavalo para ver o túmulo do apóstolo, lá em Santiago de Compostela.
Feito isso, deixamos as malas no albergue, nos despedimos de Rafael e fomos jantar, pois o restaurante estava para fechar. Entender o cardápio foi uma coisa divertidíssima. Eu e Gerti tentávamos nos comunicar num mal inglês. Minha última aula de conversação fora nos idos de 2002 e eu estava bem enferrujado. Espanhol eu nunca havia estudado. Francês, então, uma lástima pior ainda. Ela também não estava craque no inglês, o que foi bom para os dois iniciarem um treinamento forçado. Decifrar o menu em francês foi bem mais difícil que a nossa comunicação. Brindamos o primeiro jantar em solo estrangeiro, e também o início da caminhada no dia seguinte.
Dez horas e pouco. Anoitecia na França. É surpreendente e um pouco difícil de acostumar, mas gostei. Voltamos ao albergue de Catalina para tirar a roupa de viagem, tomar um revigorante banho e descansar para o nosso primeiro dia de caminhada. Rafael nos indicara o albergue da sorridente Marie, mas como estava lotado, ela nos levou à casa de Catalina. Aquilo realmente tinha mais cara de casa do que albergue. Toda em madeira, era escura, charmosa e aconchegante. O banheiro me rendeu minha primeira experiência estranha. Não existia chuveiro. Apenas uma banheira rococó e um chuveirinho de mão de metal. Foi horrível me acostumar.
Tive sorte. Fiquei num quarto com duas camas, e nenhum peregrino atrasado apareceu. Assim ficou bem mais fácil para desmontar minha mochila, e começar o meu mais angustiante primeiro exercício de desapego no Caminho de Santiago. Nem havia começado a peregrinar e já estava aprendendo.
Coloquei todo o conteúdo espalhado numa das camas, e comecei a fazer a triagem. A primeira coisa que dispensei foram os 40 (qua-ren-ta) saquinhos de lixo que eu trouxe (é, eu tive a manha de querer levar um saco de lixo para cada dia de caminhada, como se não houvesse essa merda na Espanha). Guardei apenas meia dúzia das 60 (ses-sen-ta) barras de cereal. O dicionário de francês, mais sabonete, desodorante e pasta de dente extras também ficaram. A capa de couro que concentrava o dicionário de espanhol e o bloco de notas, uma camiseta, o isolante térmico e até a nécessaire que ganhei na classe executiva foram sacrificadas. Acho que deixei mais de 3 kg naquela cadeira. Foi muito difícil fazer isso, mesmo. Depois que reorganizei o que sobrou na mochila e a senti mais leve, percebi quão burro eu fui de levar tanta coisa que eu poderia comprar em qualquer buraco durante a viagem. Eu sei que não foi por falta de avisos. Eu somente precisava sentir isso na pele. E sentiria ainda muito mais…
Bom, já estava tarde e eu precisava dormir. Faltava pouco para amanhã, e amanhã era o grande dia: minha primeira etapa no Caminho de Santiago. Ajustei o despertador e tentei dormir as poucas horas que faltavam para o meu primeiro dia de peregrinação. A ansiedade era muita, mas o sono venceu o medo do novo.
É amanhã!
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