Dia de Dizer Adeus
Fui acordado pelo hospitaleiro. Eu era o último a acordar, e eles estavam me esperando sair para fechar o albergue. Fui tomar café num bar e fiquei batendo papo com dois brasileiros que eu conheci naquele instante, e fiquei sabendo da história de um garoto carioca que veio à Espanha fazer o Caminho de Santiago, só que não ligou para dar notícias em casa. Todos os brasileiros no Caminho estavam de prontidão, todos os grupos de internet estavam a postos. Não sei se encontraram o moleque. Porra, não custa ligar pra dar notícias, né? Se fosse um fim de semana, tudo bem, mas um mês e pouco, num outro país, fica complicado. A nossa sensação de segurança por aqui é infinitamente melhor que no Brasil, mas mesmo assim existem casos de desaparecidos, assaltos, raptos e acidentes fatais como em qualquer outro lugar. Espero que não tenha acontecido nada grave com esse carioca, pode ter sido realmente só um vacilo, mas nunca se sabe, não é?
Vi Peter subindo a rua e ele disse todo feliz que havia descoberto aonde estava Karin. Há cinco dias ela estava de cama, tomando anti-inflamatórios. Ainda não curtiu Finisterre, mas pelo menos a picada que levou na perna não trouxe consequências piores. Fui com ele até o hotel para me despedir dela, ficamos conversando por um bom tempo e depois fui à rodoviária comprar minha passagem de volta. Como eu tinha mais um tempo, parei num bar em frente ao porto que os brasileiros haviam indicado. Pedi um bocadillo de calamares e me impressionei com aquilo: era meia baguete com uma porção de lula a dorê dentro, uma maravilha!
Fui triste para a rodoviária, pois eu queria muito aproveitar mais um dia de praia por aqui ou em Muxía, outro ponto comum de visita de peregrinos. Como hoje é sexta (estamos em 2006, lembrem-se!), eu só conseguirei pegar minhas coisas até o fim do dia em Santiago de Compostela, pois amanhã e domingo os Correios não abrem, e vou-me embora dia 2. Eu tenho uns cinco quilos de coisas para pegar, das minhas remessas de Pamplona e Astorga.
Entrei no ônibus me sentindo sozinho no mundo e, ao olhar pela janela, avistei Peter e Karin fazendo tchau (foto que abre esta publicação). Ela havia transformado seu stick de caminhada em uma bengalinha e foi se arrastando para se despedir de mim. Esse é o espírito dos amigos do Caminho de Santiago, e eu provavelmente teria feito o mesmo. Todos choramos e o ônibus partiu. Depois de mais de 40 dias lá estava eu dentro de um ônibus, e foi horrível. É muito estranho ver o trajeto que você levou quatro dias para fazer caminhando ser finalizado em apenas duas horas e meia.
Ao chegar, peguei minhas coisas no correio e fui procurar um hostal para ficar, afinal, eu não posso mais dormir em albergues de peregrinos, infelizmente. Saí sozinho pelas ruas da parte velha da cidade, vendo se encontrava algum rosto conhecido para conversar, trocar experiências, lembranças, mas nada. Ninguém. Aceitei minha companhia e tomamos umas cervejas em alguns bares antes de voltar para dormir.
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Dia 02/07/06
Dia de ir embora de Santiago de Compostela. Fui correndo para a rodoviária, pois havia perdido a hora, e quase me atropelei enquanto eu abraçava Leen ali na calçada, perto do farol. Parei em uma mesa perto da cabine de venda de passagens e tomei um café esperando ela abrir. Foi aí que não acreditei no que via: Javi, Gemma e Peter estavam ali, a algumas mesas de distância! Eu acabei não encontrando os dois em Finisterre para me despedir, e é claro que eu não poderia ir embora sem esse adeus. Peter também esperava o ônibus para o aeroporto, e me avisou que a venda do bilhete era direto com o motorista. Isso significa que se eu não os tivesse encontrado, poderia até perder meu avião.
A caminho do ônibus reencontrei também Lisbôa, do divertido trio de brasileiros que eu conheci um pouco antes de Santo Domingo de la Calzada, e juntos choramos mais um pouco. É, os encontros e reencontros do Caminho de Santiago perduram. Esta sincronicidade é uma das coisas mais mágicas que existem por aqui. E o Caminho continuará para sempre dentro de nós, nos momentos de aperto, de dor e de desespero, para nos mostrar que somos capazes de superar qualquer obstáculo, qualquer pedra solta, qualquer desafio.
Agora, voando a Barcelona, eu começo a me acostumar a não ser mais peregrino, e sim apenas um turista admirador da arquitetura de Gaudí.
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