Na foto: Homem de Lata (Domenico), Leão Covarde (Peter), Totó (Pipa), Dorothy (Erin) e Espantalho (Dani)
O Desabafo de Oz
Não há Lugar Melhor que o Lar
We’re off to see the Wizard, The Wonderful Wizard of Oz.
You’ll find he is a whiz of a Wiz! If ever a Wiz! There was.
If ever oh ever a Wiz! There was The Wizard of Oz is one because,
Because, because, because, because, because.
Because of the wonderful things he does.
We’re off to see the Wizard. The Wonderful Wizard of Oz
Hoje eu revi este clássico. E hoje, eu comecei a acordar para algumas coisas.
Ouvindo a música acima, regressei ao meu Caminho de Santiago. Lembrei-me dos meus amigos peregrinos, que me acompanharam, e cantaram comigo este trecho, incansavelmente, em diversos momentos. Estávamos numa estrada de pedras, não de tijolos amarelos, mas levávamos todos os elementos deste filme conosco.
Levávamos dentro de nós um espantalho, perdido em pensamentos, atrás do seu “cérebro”, que podemos aqui chamar de sabedoria. É, aprendemos muito, ganhamos muito conhecimento e o aplicamos com sabedoria em diversas situações. Lá e, provavelmente, em diversos momentos do resto de nossas vidas.
Levávamos dentro de nós um leão covarde, pois não sabíamos o que nos esperava a cada acostamento de estrada, se um caminhão desgovernado ou uma papoula vermelha. Mas andávamos, sempre em frente, com medo de chegar ao fim do Caminho, mas com coragem de enfrentar a Catedral de Santiago de Compostela em sua total magnitude.
Levávamos dentro de nós um homem de lata, pois tínhamos nossos sentimentos confusos e intensos, nos amávamos como uma família, como pessoas perdidas num limbo à procura de seus “eus”, mas com um altruísmo acima de qualquer sexo, credo, raça, classe social ou orientação sexual. Éramos todos iguais, cada um dentro de sua ilha, mas um arquipélago móvel em constante deriva.
E, principalmente, levávamos dentro de nós uma Dorothy, uma pessoa admirada com todas as novidades de um país estranho, uma cultura diferente, uma situação inesperada, mas que mesmo querendo passar o resto de sua vida por ali, não se esquecia em nenhum momento da sua família e amigos e amores deixados lá, em suas casas, seus países natais.
Mas daí regressamos. Deixamos para trás um mundo de felicidade e cor e voltamos à nossas casas, à nossa rotina, ao preto-e-branco.
O filme O Mágico de Oz nos mostra que é fadado ao esquecimento. Ele, em sua moral, te priva de ir atrás do novo, do voo livre em direção à sua liberdade, à sua sabedoria, e te entoca dentro de seu lar, para você viver a sua vidinha de sempre, sem ter que atravessar o portão da rua para os seus desejos mais profundos.
Não sei se fui um pouco radical no que disse. Aceito esta opinião como verdade, mas mesmo assim, gosto muito deste filme, e aceito outras opiniões como verdade.
Uma outra delas é o que vem acontecendo comigo. Eu estava aqui, em minha rotina, perdido, com vontade de sumir e realizar um sonho de mais de oito anos, e acordei. Eu fui conquistar o meu sonho. Atravessei a pé quase mil quilômetros, seguindo flechas amarelas numa estrada ora de terra ora de asfalto, mas com pedras de todos os tamanhos e castigos. Vi todas as cores novas de uma cultura nova para mim, conversei com moradores do primeiro mundo, vi que pobreza e miséria existem até por lá, senti dores atrozes nos pés, nos ombros, nas costas, mas segui sempre em frente, andando. Keep walking, mesmo eu preferindo uma cachaça.
E voltei pra casa, para o meu canto, minha família, amigos e amores. Ao preto-e-branco. E me perdi. Me recolhi em minhas saudades, em minhas lembranças e meus andares, e desprezei a rotina. Entrei em depressão. Não conseguia sair de casa. Ao dormir, sonhava caminhar e acordava cansado. Me destruí em mim mesmo. Implodi-me. Mas descobri uma coisa, que é verdade para mim: ao conhecer o desconhecido, dei-me o doce que qualquer criança mais adora e o quer a toda hora. Dei-me a liberdade de ir e vir, quando bem me entender, tendo-se subsídios para tal, é claro. O dinheiro move o mundo. Ainda. Precisamos dele, infelizmente, para alcançar nossa felicidade.
Mas eu sinto que estou voltando à tona. Estou nadando novamente à superfície da minha vontade de trabalhar, da minha vontade de sair de casa, da minha vontade de viver a minha vida. Não quero ganhar mais teias de aranha em minhas costas. Eu quero e preciso voltar a caminhar. E vou caminhar. Seja este caminho o de Santiago ou o da minha vida.
Não há nada melhor que o lar. Desde que você descubra qual ele é, e vá atrás.
Retirado do meu blog Quimera Ufana,
no dia 26 de agosto de 2006