Dia Dezoito
Depois de uma noite fria entre as estrelas de Población de Campos, acordei um pouco resfriado. Tomei outro antigripal e comecei a arrumar as coisas para o que parecia ser uma segunda-feira bem preguiçosa. Tomei um café com todo o sossego do mundo e fui o último a deixar o albergue. Andei devagar, pois meus pés me matavam. Depois de meia hora de caminhada comecei a escutar alguém cantando ao longe. Ao identificar a música – I Feel Good – já sabia que era Bethany chegando com o passo apressado. Saquei o kazzoo e acompanhei a cantoria enquanto ela passava por mim, até sua voz sumir na minha frente.
Parei em Villarmentero de Campos para descansar em um bar que tocava Simon & Garfunkel em um tipo de canto gregoriano. Enquanto eu atualizava o meu diário apareceu Rasmus, também preguiçoso. Tomamos umas cervejas e seguimos viagem.
Um dia muito chato para caminhar. Entre os pueblos temos uma infinita estrada reta (foto que abre esta publicação), e a cada 100 m temos totens com a concha para indicar o Caminho. Um saco. A primeira vez que vemos essa cena é realmente lindo, mas quando você sai do pueblo e vê a mesma cena, a estrada, os totens, a torre da igreja do próximo pueblo ali na frente, você se sente em cima de um vinil riscado, um déjà vu, uma falha na Matrix. O outro pueblo está logo ali à frente, mas andamos e andamos e nunca chegamos. Talvez eu tenha entrado no mesmo universo paralelo da minha travessia pela cidade de Burgos – ou aqui é o inferno, mesmo: a mesma estrada, ad aeternum. Para passar mais rápido, Rasmus sacou seu violão, eu adaptei o kazzoo para virar uma gaita e tocamos por mais de meia hora o “Blues do Caminho”.
Em Villalcázar de Sirga, encontramos Robert dormindo no banco de uma praça e ele foi acordado com o nosso blues. Ficamos conversando um pouco e resolvemos almoçar ali para aproveitar a sombra. Depois de um tempo, ouvimos um “oi” e, quando viramos, era Marcelo! A última notícia que tínhamos dele era que ficara dois dias em Logroño e havia desistido de caminhar para não estragar o joelho. Ele disse que ficou realmente dois dias por lá, mas doente. Resolveu continuar mesmo assim, tomando antibiótico por mais uns dias. Seu ritmo era bem mais rápido que o nosso, pois nos alcançou 10 dias depois. Ele dormiria por aqui, hoje, pois já andara 30 km. Gemma também nos encontrou na praça e tirou uma foto do reencontro:
Eu e Rasmus seguimos mais 6 km até Carrión de los Condes pela mesma estrada infinita com os totens a cada 100 m e a torre da igreja lá ao fundo, que nunca chega: a mesma estrada, ad infinitum. A primeira coisa que há na entrada da cidade é uma praça gramada e uma sombra convidativa. Caímos ali e dormimos por uma meia hora com as pernas em cima das mochilas. Ao acordar resolvi ir atrás do albergue, já Rasmus decidiu ficar mais uma horinha por ali e seguir até a próxima cidade.
O primeiro albergue estava lotado, e no outro encontrei Robert, Karin, Gemma e Milan. Quando fui ao supermercado, reencontrei Rien, Maria, e Rachel e Ali, duas americanas que estudam no Novo México, que eu já havia visto uns dias atrás. De volta ao albergue, jantei com Robert e Karin e fui dormir às 21h10, antes do sol se pôr, cansado e com os pés em pobres frangalhos.
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