TOMO I – Purgatório (17 a 31 de maio de 2006)
Eu estava anestesiado. Demorei para dormir e não sei se consegui dormir direito. A ansiedade era tanta que eu não estava entendendo direito as coisas. No carro eu já chorava, muitas coisas rodavam e rodavam na minha cabeça.
Já no aeroporto, ao pesar minha mochila, além do susto houve uma interessante coincidência: 17,5 kg no dia 17/5! A moça do check-in se impressionou com o peso quando descobriu o que eu ia fazer. Em todos os sites existentes sobre o Caminho de Santiago recomendam que você não carregue mais que 10% do seu peso na mochila. Isso significa que eu carregaria 21,35% do meu peso nas costas. Seria danoso, mas resolvi deixar para pensar nisso depois…
Muita choradeira na despedida dos meus, e fui. Houve a sensação estranha de passar pela cancela e já me sentir plenamente sozinho no mundo: o misto de solidão, curiosidade, desespero e liberdade, e muito mais. Minha primeira viagem ao exterior. A realização de um sonho que ainda parece um sonho. Me sinto numa espécie de limbo. Tudo já é novidade.
Na fila de embarque, fiquei muito feliz por ter me cadastrado no Cartão Iberia Plus. Fui chamado no auto-falante e, quando cheguei lá, fiquei sabendo que o voo estava lotado, e minha passagem havia recebido um UPGRADE para a classe executiva! MARAVILHA! Sentei no corredor. Nem me instalei direito e a mulher do meu lado perguntou se eu podia trocar de lugar com o marido dela, para que ficassem juntos. Eu não tinha o que reclamar, e quando vi que o lugar do marido dela era na janela, só tinha mais que agradecer.
Aproveitei a viagem para ler o caderno que fizeram para mim na festa-surpresa de despedida. Mensagens especiais da família, dos amigos que compareceram e dos que não puderam se despedir pessoalmente. Mais lágrimas. Ainda a poucas horas de distância de São Paulo, a saudade já começava a apertar.
A lua me acompanhou a noite toda, à minha direita. Para baixo, só um vazio, o escuro oceano. Acentos flutuantes… cair desta altura não adianta nada ter um acento flutuante. Não dá tempo nem de colocar o passaporte dentro da boca, pra facilitar o reconhecimento do corpo no IML…
Aproveitei as vantagens da classe executiva bebendo um conhaque depois da sobremesa, vendo um filminho pra treinar o espanhol (tentar aprender, eu diria com mais sinceridade), e fuçando em todos os botões da cadeira. O executivo alemão do meu lado me observava com científica curiosidade. Como ele já estava acostumado com tanto conforto, nem imaginava que alguém poderia se divertir até com o massageador acoplado no encosto do acento.
Dormi pouco. A ansiedade era tanta pra chegar em terra firme que não me deixava pregar os olhos.
Sobrevoando a Espanha, antes da aterrissagem, fiquei tentando imaginar como seria atravessar tudo aquilo a pé, de ponta a ponta. Dos Pirineus a Finisterre, o fim do mundo, passando pela Navarra, La Rioja, Burgos, Palencia, León, Lugo e La Coruña. Trinta e cinco dias, pela frente, ou menos ou mais, tudo dependeria do meu ritmo. Mas as coisas ainda não pareciam reais para mim. Estava tudo tão, perfeito…
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