– YOU SMELL LIKE A COW!
Dia Trinta e Nove
Este foi o maravilhoso bom dia de Peter para mim. Acordar no chão de uma estrebaria, com moscas pousadas em todos os lugares e um horrível cheiro de esterco no ar daria tudo para eu acordar de mau humor, mas essa frase de Peter me fez gargalhar. 😀
Arrumamos bem lentamente nossas coisas para deixar Olveiroa. Javi e Peter saíram na frente, e eu fiquei consolando Gemma, que começou a chorar. É, está realmente terminando. Amanhã chegamos a Finisterre, o Fim da Terra, o fim da viagem, a volta para casa. Ninguém quer voltar para casa, muito menos terminar o Caminho. Esta é a coisa mais difícil que enfrentamos por aqui…

Reencontramos Javi, Peter e Alvaro, um espanhol que conhecemos em Pontecampaña, num bar em Hospital, e seguimos juntos. Peter e Alvaro aceleraram o passo, deixando-nos para trás. Distraído com a vista, acabei tropeçando e caindo pela segunda vez na minha Via Crucis, e dessa vez fui quase com a cara ao chão. Bati o joelho, quebrei mais uma ponta do cajado e torci o pé direito, o que estava mais zoado. Gemma – que dessa vez não riu comigo, como rimos na primeira vez em que caí, a caminho de Bercianos del Real Camino (07/06/06) – me ajudou a tirar a bota e a meia, e Javi fez uma massagem pra tentar “consertar” as coisas. Doeu pra cacete, mas acabou adiantando. Voltei a andar normalmente, como se “quase nada” tivesse acontecido.

A uns 6 km do nosso destino do dia, no início da descida de uma íngreme montanha, recebemos o presente que merecíamos, depois de quase 40 dias de caminhada: a vista de um maravilhoso horizonte azul, o mar. Daqui avistamos o Cabo Fisterra, que será o nosso ponto final, amanhã. Mais choro de Gemma, e eu também entrei na dança.
Descemos, subimos e descemos mais umas montanhas, e chegamos em Cee: playa! Andamos mais 1 km e paramos num bar em Corcubión e, de frente ao mar, tomamos cervejas e comemos gambas en la plancha (camarões), chipirones (um tipo de lula pequena) e navajas (uma concha que parece uma navalha, de 15 cm, com uma carne maravilhosa). De lá, mandei SMS para minha família contando isso e recebi xingamentos em resposta, afinal naquela hora todos estavam trabalhando, hehehe. Reencontramos Marta A., que havia andado bem mais rápido e chegara ontem em Finisterre. Ela voltou para trás para tentar se despedir da gente, pois amanhã retornará à Zaragoza.


Chegamos ao albergue e ele estava lotado. Como ele tinha um gramado gigantesco na frente, nós quatro resolvemos dormir ali. Eduardo estava por lá e nos emprestou a lona de sua barraca para forrarmos o chão, pois ele havia conseguido chegar a tempo no albergue.
A história de Eduardo
Um dia ele resolveu sai de sua casa, em Buenos Aires, com dois cavalos e uma aventura na cabeça. Subiu toda a América Latina, atravessou os Estados Unidos, pegou um navio e chegou na Europa com um cavalo a menos, que morreu no percurso. Comprou outro cavalo e começou o Caminho de Santiago. No percurso, conheceu uma finlandesa que resolveu acompanhá-lo (e infelizmente não lembro de seu nome). Nos encontramos pela primeira vez uns dois dias antes de chegar a Santiago de Compostela. Depois de quatro longos anos montado num cavalo, estava chegando a Finisterre, mas ali não será o fim de sua aventura. De lá seguirá para Portugal, até lá embaixo. Depois irá para Roma, e Jerusalém, e de lá pegará o caminho de volta para casa. Entrará na Argentina pelo sul do Brasil. Suspeita que isso leve mais quatro anos. Oito, fora de casa. Disse que quer escrever um livro sobre a aventura, mas sugeri que escrevesse mais de um, afinal, oito anos é muita história para um volume só. Eu só consigo pensar numa coisa: como será voltar para casa, depois de oito anos afastado, realizando algo tão doido e maravilhoso? Não sei se eu conseguiria me adaptar…
[NOTA] Se alguém souber mais informações dele depois de junho de 2006, eu ficarei realmente agradecido com um complemento nos comentários.

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