Dia Trinta e Sete
Choro: dia três. Mais despedidas.
Fui acordado por Erin, dizendo que eu teria que me apressar caso quisesse me despedir de Domenico na rodoviária. Comecei a arrumar minha bagunça e ela deixou comigo algumas coisas de sua “farmácia” da mochila, pois não precisaria mais, e me entregou o chapéu de Dani para eu queimar em Finisterre. Claro que começamos a chorar. Domenico me deu algumas coisas de sua “farmácia” e também seu canivete. Disse que precisaria deixá-lo aqui de qualquer jeito, mas preferia que ficasse comigo, caso eu não me importasse com mais peso na mochila. Claro que aceitei. Eles saíram na frente, enquanto eu terminava de organizar minhas coisas.
Cheguei a tempo na rodoviária, correndo com minha mochila nas costas e ainda de papete, pois demoraria muito preparar meus pés com a bota. Eu, Erin e Peter choramos com Domenico e vimos seu ônibus ir embora ao aeroporto. E realmente não sabemos como ainda temos lágrimas.
Saímos da rodoviária em direção à Catedral. Desviei de mim e Leen se abraçando na calçada, e é impossível passar por ali sem ver aquilo. Na parte velha da cidade eu fui atrás de um banco para trocar traveller cheques e, enquanto esperava a minha vez, Peter e Erin saíram para tomar um café. A espera era tanta que Erin precisou se despedir de mim lá mesmo, pois ela precisava resolver umas coisas e pegar um ônibus ao aeroporto. Nos abraçamos e choramos muito, sem se importar com o movimento do banco. Peter deu um até logo, pois nos encontraríamos em Negreira até o fim do dia.
Parei na frente da Catedral, ao lado da concha em baixo-relevo que representa o marco zero do Caminho de Santiago. Foi ali que comecei a preparar meus pés para a minha nova e última etapa: Finisterre. Muitos peregrinos e turistas vieram conversar comigo, perguntando se eu havia chegado hoje aqui, de onde iniciei a peregrinação, estas coisas. Escutei de longe alguém gritar “baregrino!” e vi Maurício se aproximando. Ele ia comer com uns amigos que haviam acabado de chegar e iria seguir também para Negreira.
A Oficina do Peregrino da Catedral não te fala nada a respeito do Caminho até Finisterre, pois para eles a peregrinação termina em Santiago. Indicam que você vá até a Oficina de Turismo, que é na mesma rua, uns 400 m abaixo. Lá, te passam um mapa e indicam o trajeto até a estrada. Estrada? Perguntei se havia setas amarelas ou outro tipo de indicação, e a moça disse que não, que não havia nada além das placas normais da estrada.
Comecei a andar e, ao perguntar a uma mulher para onde eu deveria seguir para chegar à estrada, em uma bifurcação tripla na frente de uma grande praça, ela disse para eu seguir o muro de pedras à frente, pois eu encontraria o caminho. SURPRESA: na praça existe um totem com a concha, a marcação de que faltam 88 km para Finisterre, e uma flecha amarela! Os funcionários da Oficina de Turismo não sabem porra nenhuma! (Bom, como isso foi em 2006, espero que hoje as informações estejam melhores aos peregrinos que se aventurarem ao fim do mundo)
Segui as indicações e senti meus pés, meus ombros e aquela familiar adaga no meio da coluna. Eu finalmente estava de volta ao Caminho e à minha “penitência”! Dei um até breve a Santiago de Compostela e segui minha última etapa. O caminho é muito bem sinalizado, com flechas e totens por todos os lados, e também é lindo. As florestas da Galicia sempre nos surpreendem com a sua mágica.
No meio do caminho, Mauricio me alcançou. Desceu da bicicleta e seguimos conversando. Falamos sobre nossas vidas e objetivos do Caminho de Santiago por mais de uma hora e meia, até aparecer uma descida e ele sorrir, afinal, quem faz o Caminho de bicicleta ama grandes descidas. Ele saiu disparado e continuei andando a sós com as lindas paisagens da Galicia.
Cheguei em Negreira e encontrei Peter, Javi, Gemma e Maurício num bar. O albergue estava lotado, mas poderíamos usar a sua estrutura e dormir no gramado ou aonde desse. Deu a louca no Maurício e ele comprou um monte de comida e vinho para cozinhar para a galera. Foi um ótimo jantar, partilhado com todos do albergue: nós, alguns peregrinos conhecidos de outros dias e muitos rostos desconhecidos. Peter, Javi e Gemma quiseram dormir no gramado, mas eu preferi dormir no chão da varanda, pois estava ameaçando a chover (e o que acabou não acontecendo).