Dia Trinta e Dois
Como os hospitaleiros precisavam limpar tudo, fomos praticamente expulsos do albergue, e terminamos de arrumar nossas coisas na rua. O trajeto é muito bonito, cheio de lugares para descansar e fotografar. Em Morgade, paramos no albergue de lá para tomar umas cervejas e reencontramos Gemma, Sharyar e sua mãe. Gemma disse que encontrou Rasmus, há uns dias, e que ele acabou desistindo do Caminho: foi para alguma praia da Espanha, a qual não lembro o nome. Contei minha estranha despedida no meu sonho, em Samus, e ela se impressionou com aquilo. Ficamos um pouco mais por lá, nos divertindo, e saímos todos juntos.
Chegamos em Portomarín admirados com sua entrada triunfal: um gigantesco rio azul separa a estrada e a cidade, unidas apenas por uma ponte com 1 km de extensão, acho. Por lá, reencontramos Rien, Dani e Erin.
As Martas, Dani e Erin resolveram dormir em Portomarín, já eu, Domenico, Javi, Peter, Karin, Gemma e Dario continuamos. Fui conversando com Domenico sobre minha finada banda dos anos 1990, e ele contou da sua, que se reuniu no início de 2006 novamente, depois de 10 anos de separação por causa de uma briga.
Paramos em Gonzar para descansar um pouco e reunir o grupo. Depois de meia hora, vimos aparecer ao longe, na estrada, os retardatários Peter e Karin, acompanhados de Leen e Kate. Eu e Domenico parecíamos adolescentes de tão felizes em revê-las. Nosso amor platônico por elas estava dando muito na cara, já. Olhamos um para o outro no melhor estilo “é hoje” e aguardamos todos se aproximarem. Elas estavam atrás de mim para devolver o dinheiro que emprestei anteontem, em Triacastela, e eu nem lembrava mais disso. Durante esse trajeto, fizemos uma das versões à capela mais épicas de Bohemian Rhapsody, uma pena que não tinha ninguém filmando…
Chegamos em Ventas de Narón e ficamos num albergue particular com ótimas camas e um bar. Leen e Kate encontraram uma grande turma de peregrinos que não conhecíamos, e resolveram ficar no outro albergue com eles. Eu e Domenico tentamos convencê-las do contrário, mas foi em vão. Chateados, voltamos ao nosso albergue e beliscamos com os outros umas tapas enquanto bebíamos cervejas. Não nos alimentamos muito bem, e resolvemos começar a beber vinho. Karin e Dario foram dormir e continuamos bebendo. Em um certo momento, nos demos conta de que faltavam menos de 80 km para Santiago, isto é, nem 5 dias para o fim: o fim do Caminho, o fim dos nossos momentos juntos, o fim da nossa grande família, e a volta de todos para casa. Choramos muito e continuamos bebendo, eu, Domenico, Peter, Javi e Gemma. É muito estranha a sensação de fim. Uma hora acaba, mas ninguém quer que acabe. Foi Javi que veio com o melhor ensinamento do Caminho de Santiago da noite: “o Caminho não termina aqui, na verdade, o Caminho só começa quando voltamos para casa”. É lá que vamos digerir toda a vivência e peregrinar pela estrada da vida com muito mais sabedoria.
Resultado da noite: NOVE botellas de vinho e todos bêbados que nem vacas. Saímos cantando alto no escuro e pulamos uma mureta de pedra para deitar em um pasto e ver as estrelas. O vinho acabou e resolvemos tentar dormir. Peter tropeçou na mureta e acabou fazendo uns cortes no pé. Tudo rodava, e acabei dormindo abraçado na privada. Sorte que Gemma e Javi ouviram roncos vindo do banheiro e a porta estava destrancada. Jogaram uma água no meu rosto e me puseram na cama.
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