Dia Vinte e Três
Demorei umas três horas para sair de León. Passeava devagar por suas ruas e avenidas, e igrejas e monumentos, e cafés e pontos turísticos, e tudo o mais. Queria tanto ficar por lá e encontrar um lugar para morar pra sempre… Me despedi com muita tristeza, mas tive uma real sensação de que voltarei aqui novamente, qualquer ano desses.
Em La Virgen del Camino, encontrei Colin e Selena em frente à Basílica de La Virgen del Camino e depois seguimos juntos. Mesmo com o meu passo lento e doloroso, eles me acompanharam. São sempre simpáticos e realmente uma ótima companhia em todas as vezes que nos encontramos. Ao chegar em Villadangos del Páramo eles preferiram parar, mas eu queria mais, afinal eram apenas mais 4 km até o próximo pueblo, e algo me dizia que eu precisava ir para lá. Levei umas duas horas para percorrer esse trecho tão curto. Foram 4 km de desespero, pois além das dores horrendas nos pés, começou a me bater um cansaço muito estranho, que ainda não tinha acontecido comigo no Caminho de Santiago. Parecia que minhas energias estavam sendo sugadas pelo chão, por isso as dores atrozes nos pés. Foi realmente angustiante, mas cheguei são e salvo no primeiro albergue que encontrei em San Martín del Camino.
Nesse albergue eles tinham a opção dos quartos compartilhados, com várias camas, além de uns três quartos privativos. Resolvi me presentear com um quarto com uma cama só para mim, dessa vez, pois queria descansar com privacidade. Larguei a mochila por lá e sentei numa cadeira do quintal com os pés para cima e simplesmente caí no sono. Capotei. Quando percebi, fui aproveitar a minha cama privativa e dormi até as 19h. Tomei um banho e fui comer o menu do peregrino que o albergue oferecia. Pelo preço normal, na média de € 9,00 (atenção, o preço é de 2006, não sei hoje como está), tive o mais completo e lauto jantar do Caminho até agora. Assim que sentei, a hospitaleira colocou um pratão com três tipos de chorizos em rodelas e grandes fatias de pão como aperitivo. De entrada, uma deliciosa sopa com macarrão. Eu nem havia terminado e ela apareceu com um prato de sopa cheio de alface, e outro igual lotado até a boca de batatas fritas, mais um ovo frito, fatias de lombo e um pimentão. Deixei mais da metade das batatas, era impossível comer tanto. De sobremesa, 4 fatias de piña, o nosso abacaxi, uma xícara gigante de café com leite e depois, chupito! – Chupito é uma dose de bebida alcoólica que servem como digestivo, tipo o nosso “licorzinho” no final do jantar. A mulher colocou na minha mesa um copo e duas garrafas: uma com Orujo de Hierbas, com a graduação alcoólica da nossa cachaça, mas com um sabor semelhante ao licor Stregga, e outra de Orujo Blanco, que lembra muito grappa, fortíssimo. Uma beleza! 😀
Enquanto tomava meu Orujo Blanco, conversei com um simpático casal da Andaluzia, que infelizmente não lembro os nomes. Durante o jantar, estava com Robèrt, um canadense do lado francês, um italiano e um japonês. Conheci também mais duas brasileiras, que contaram algo que achei muito interessante: nenhuma das duas conseguiu dormir direito no albergue de San Juan de Ortega, pois acordavam de meia em meia hora, durante toda a noite, ouvindo vozes e passos ao lado delas. Disseram que aquilo era absurdamente assombrado, como se peregrinos de todas as épocas estivessem ali ao mesmo tempo, se preparando para seguir viagem ou descansar. Quando eu disse que foi um dos lugares onde eu mais descansei, e que se não fosse aquilo eu não teria conseguido andar até Burgos no dia seguinte, elas me olharam estupefatas. É, cada um é recebido de um jeito pelas cidades, tudo depende da sincronicidade. Do mesmo jeito que me senti super mal em Burgos, elas se sentiram em casa, hehehe. Vai entender!
Ao chegar no quarto, mandei um SMS (é, em 2006 ainda mandávamos SMS) para minha mãe fazer um reiki à distância nos meus pés, pois eu estava muito preocupado depois dos últimos 4 km de hoje. Espero estar bem melhor amanhã. Bom, se depender de toda a simpatia das hospitaleiras daqui, eu estarei novo em folha. 🙂
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