Dia Dezessete
Acordei cedo, com tosse e um pouco de dor de garganta. Tomei um antigripal para prevenir e fui tomar meu desayuno com Gemma e Milan, um cara da República Tcheca que conhecemos ontem. Nos despedimos de Castrojeriz e saímos para mais um longo dia. Como meus pés estão doloridos, eles abriram rapidamente uma grande distância. Em nem meia hora de caminhada, vi o que me esperava: teria que subir a Cuesta de Mostelares (foto que abre esta publicação – o corte diagonal no meio da montanha É o caminho, 142 m em desnível em pouco menos de 2 km), uma puta subida, mas com paisagem muito rica. Parei no meio do caminho para descansar um pouco e continuei a árdua subida até o topo. Claro que a descida também era difícil, mas a vista compensava.
Antes de chegar em Itero de la Vega, nos despedimos da Província de Burgos e adentramos à Província de Palencia, também pertencente à Castilla y León. A vegetação não muda tanto, mas você sente uma diferença nos pueblos e nas pessoas.
Parei em Boadilla del Camino na frente de uma fonte, a Fuente Vieja, para descansar. Uns três velhinhos estavam por lá, conversando, e fiquei tentando entender suas histórias. Fiquei por ali umas duas horas: almocei, atualizei o meu diário, me refresquei com a água fria saída da fonte que, para acioná-la, precisávamos girar uma grande roda de ferro, e sorvi bons goles da garrafa de tinto da Rioja que eu carregava na mochila. Aproveitei a parada também para ligar e parabenizar meu pai pelo seu aniversário.
Mais 6 km e eu chegaria em Frómista – essa seria a parada do dia, mas alguma coisa me dizia que eu precisava continuar mais 4 km até Población de Campos. Esse trecho é maravilhoso, pois o caminho todo é ao lado do Canal de Castilla, uma bela paisagem, com muito mato, barulho de água, sapos e pássaros. E insetos e outros bichos. Muitos insetos e outros bichos. Já me acostumei com eles. As aranhas passeiam nas minhas pernas, braços, mochila, e apenas as pego e devolvo à grama. Outro dia, um besouro tomou carona no meu braço por uns 2 km, e ouviu meus lamentos sobre as dores nos pés e outras coisas do passado que atormentavam o meu presente. Andar sozinho te ajuda a ficar mais maluco a conversar com tudo o que aparentemente tem vida. Você externa as suas dúvidas para a natureza, e elas não ficam apenas na sua cabeça, te alucinando. Andar por horas e horas em lugares ermos tendo apenas a sua consciência como companhia pode te enlouquecer um pouco, mas isso melhora quando você regressa à civilização e conversa com as pessoas. Ou não.
Cheguei em menos de duas horas em Frómista e fui atrás do albergue. Encontrei Maria, a americana de San Juan de Ortega, e disse que não sabia a razão, mas queria continuar até o próximo pueblo. A hospitaleira disse que havia 15 camas livres e não sabia se eu teria essa sorte à frente, mas mesmo assim resolvi sair.
Cheguei em Población de Campos e – claro – o albergue estava cheio. Karin já havia montado acampamento no gramado, e me juntei a ela. Depois apareceram Gemma, Rasmus, Bethany e Emily, uma americana que conhecemos há uns dias, que resolveram dormir numa praça. Eu e Karin preparamos nosso jantar e comemos na grama, no “acampamento” improvisado. Quando anoiteceu, dormimos, bem cansados desse longo dia.
No meio da noite acordei e vi, entre as árvores, a Via Láctea. Finalmente! Essa é uma das vantagens de dormir ao relento – mas ao relento com a estrutura de um albergue é muito melhor, pois temos ducha e banheiro e cozinha incluídos no pacote. Talvez essa visão da madrugada tenha sido o motivo que me levou a dispensar uma cama no pueblo anterior. Essas são as vicissitudes do Caminho de Santiago.