Dia Sete
Acordamos ao som das 4 Estações de Vivaldi, que ecoou no ginásio a partir das 6h. Demorei um pouco a sair para cuidar das bolhas que apareceram. Nada grave, por enquanto. Deixei em cima do tornozelo uma gaze com a tintura de guaçatonga que minha mãe preparou especialmente para essas situações, e depois pinguei umas gotas nos band-aids para garantir. Esse troço faz milagres! Analisei o dedinho do pé direito e parecia bem, então apenas empastelei o pé com Hipoglós e coloquei a meia (sim, apenas a meia grossa, pois como vi que ganhava bolhas mesmo com a meia fina por baixo, resolvi colocar apenas a outra que, para mim, funcionou perfeitamente). Saí do albergue de Ayegui por volta das 7h40 em direção ao objetivo do dia: Los Arcos.
Pouco depois de gravar esse vídeo, vi Karen se aproximando. Às 8h20 paramos na famosa fonte de vinho e água das Bodegas Irache, mas as torneiras só funcionariam a partir das 10h30. Consegui, abrindo e fechando a torneira, uns 4 goles. Dividi com Karen e seguimos estrada. Mais para frente, deixei ela continuar em seu ritmo e parei um pouco para enrolar o dedinho do pé direito em micropore, pois estava doendo muito. Acabou ajudando um pouco, pois mesmo com um pouco de dor insistente, ainda estava melhor do que antes.
Quase em Villamayor de Monjardín reencontrei Karen descansando na Fuente de los Moros, uma construção de 1.200 que é como um oásis refrescante depois de tanto calor que castigava nossas cabeças. Logo depois chegaram dois irmãos irlandeses, Unshinn e Jack, com seus cabelos brancos e largos sorrisos. De repente começaram a cantar, aproveitando a acústica que a fuente proporcionava, e Karen acompanhou. Aquilo foi surreal e muito bonito. Eles seguiram e eu parei ali para tomar meu café da manhã.
Logo na entrada de Villamayor de Monjardin havia um albergue. Lá encontrei uma americana que, desde que realizou o seu Caminho de Santiago, tenta uma vez por ano ficar por ali duas semanas como hospitaleira, recebendo os peregrinos e oferecendo café, leite e chocolate. Diz também para enchermos nossas garrafas de água, pois o próximo trajeto será duro e sem fontes pelo caminho. Carimbei minha Credencial, me despedi e continuei a andar.
Ela estava certa. O trecho entre Villamayor de Monjardim até Los Arcos é praticamente um deserto verde: 11km de estrada de terra cercados por infinitos campos de feno. Com o sol forte, e sem sombra, é quase um inferno. A paisagem é muito bonita, de vez em quando vemos também parreiras e oliveiras além do feno, mas o calor sufocante do dia não ajudava de jeito nenhum. Fora que você anda, anda, anda, e não chega a lugar nenhum.
Uns quilômetros à frente, vi umas árvores juntas que pareciam formar uma sombrinha para o almoço. Ao chegar, encontrei Joan, Katrin e uma americana de Nova York que não lembro o nome. Elas já estavam de saída, então eu consegui toda a sombra para mim. Quando estava começando a arrumar minhas coisas, ouvi duas francesas conversando. Elas estavam mais acima, num elevado, e eu não tinha percebido a presença delas. Elas começaram a cantar e foram embora. Como estavam afinadas, resolvi segui-las para ouvir um pouco de música durante a caminhada (foto que abre esta publicação).
Parece que o Caminho sabe quando estamos realmente cansados. Com um sol causticante na cabeça, um tempo depois de passar a marca dos “faltam 5 km até Los Arcos” encontrei o paraíso: grandes árvores, grama e muita sombra fresca! A maioria dos peregrinos do dia estava lá. Tirei as botas e as meias e dei uma bela descansada com os pés em cima da mochila. Faltava pouco, agora, uns 2,5 km, mas eu já havia andado uns 18 num terreno de altos e baixos, pedras e muito sol. Aquele momento foi perfeito para recuperar as energias.
Cheguei a Los Arcos às 15h30, e deu tempo de lavar roupa, tomar banho e carregar o celular. Minha família estava preocupada, pois eu havia prometido entrar em contato uns dois dias antes, mas não consegui carregar o celular nos últimos albergues, pois havia pouquíssimas tomadas para tantos carregadores.
Saí para jantar com Joan e Marcelo, que chegou bem mais tarde porque resolveu dar uma volta em Estella pela manhã. Comemos arroz com tintura de polvo e pernas de polvo na entrada, e linguado como prato principal. Uma delícia. E claro, pão e vinho à vontade. 🙂
Cheguei ao albergue e atualizei o diário antes de dormir. Amanhã será um pouco duro até Logroño, então estou pensando em parar em Viana. Nos 10 km entre essas cidades não existe nenhum lugar para dormir, e um trajeto de mais de 30 km ainda não está à altura do meu preparo.
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