Dia Três
Saí de Zubiri às 7h20 com David, o americano que não entende nada de espanhol, apenas “sorri” às pessoas para tentar fazer com que o entendam. Este caminho está se saindo um maravilhoso curso de inglês, mesmo… hehehe, quando percebo, estou pensando em inglês ou espanhol.
Paramos em Larrasoaña para tomar café. Ela é muito parecida com Zubiri, mas não tem o “quê” que me atraiu ontem. É uma linda cidade, com direito a ponte de pedra na entrada e muitas construções também em pedra.
De Larrasoaña até Iroz, cada curva era uma surpresa: me senti dentro de uma floresta élfica do Senhor dos Anéis: mata fechada, um rio correndo ao lado do caminho, e muita paina flutuando, como se fosse flocos de neve. Tem uns lugares em que a grama fica totalmente branca. Em certo momento, o rio ficou mais próximo, com uma convidativa queda d’água. Avisei David que iria parar um pouco e fiquei uns minutinhos deitado em uma pedra com a cabeça embaixo da cachoeira. Aquilo me deixou novo para continuar. Os ombros e os pés estavam castigando demais. Quando levantei, vi que David me observava de longe, sentado na grama. Voltamos a andar e ele disse “thank you for… that“. Disse que era muito estranho para ele essas relações das pessoas com a natureza, e ao me ver ali na cachoeira começou a entender melhor isso. É o Caminho de Santiago botando nossas cabeças para conversar conosco. Acho que é uma das coisas mais importantes na peregrinação.
Mais à frente, subindo por um caminho de terra e pedras cercado de mato por todos os lados, surgimos dentro de um povoado, com casas em ruínas vizinhas de casas mais modernas. Essas coisas improváveis acontecem muito por aqui. E é maravilhoso conversar com os habitantes dos pueblos.
Um pouco depois de Iroz, a 5,5 km de Arre, descobrimos que uma parte do caminho estava interditada por uma barreira que ruiu, e precisávamos pegar uma via alternativa. Foi um desvio beeem longo. Queríamos chegar em Arre, mas a cada pueblo que parávamos, alguém respondia que faltavam 2 km… Na quarta ou quinta cidade que chegamos, ao notar uma placa indicando Pamplona, me encheu o saco e comecei a andar para o sentido contrário (meus pés e ombros estavam gritando) procurando alguém para nos ajudar. Perguntei a um cara que passava sobre Arre, e ele disse que ficava a 1 km dali, seguindo por uma direção que não existiam setas amarelas. Seguimos as indicações dele e finalmente avistamos Arre!
Arre égua – desculpe o trocadalho –, que cidade bonita! Da ponte de pedra chegamos numa igreja românica construída no século XII. Valentin e Moisés, padres maristas, tomam conta do lugar. Enquanto carimbavam nossas credenciais, disseram que éramos os primeiros a chegar ali. Desde que interditaram aquele trecho do Caminho, quase ninguém encontrava Arre. O Caminho tradicional, que estava fechado, dava exatamente na ponte de pedra de entrada da cidade, uma das vistas mais bonitas que vi na minha vida. As construções ao redor da igreja foram realizadas até o século XVII, XVIII. A pousada é um anexo, separada do prédio principal por um jardim cheio de cadeiras. Adorei! Esse é o albergue mais aconchegante até agora. Mais tarde chegou um casal de americanos, dois caras que não falam com ninguém e a suíça que estava na mesa em Roncesvalles. Mais treino de inglês.
Ao tirar as botas, encontrei uma pequena bolha em cada pé, na região entre o tornozelo e o calcanhar. Estava demorando… Depois do banho fui visitar a igreja românica e saímos para jantar. – No caminho vimos muitas pichações de grupos favoráveis à separação e reconhecimento do País Basco, várias casas com bandeiras e mensagens na parede. A maioria das pessoas não se considera espanhola, e sim basca –. Depois do agradável jantar voltamos ao albergue para descansar. Demorei muito para dormir e acordei praticamente a noite toda. Não sei porque eu estava tão ansioso para meu trajeto de amanhã…
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